25 fevereiro 2011

A porta dos fundos do ensino “superior”

Por Reinaldo Canto*



Primeiro contato de muitos jovens com a faculdade começa com trotes violentos e humilhantes. O que esperar depois?

Todos os anos, nesta época, a triste cena se repete em dezenas de universidades. Calouros chamados de bichos são agredidos e obrigados a cumprir ordens de veteranos alterados e histéricos. Por vezes alguns desses novos universitários enfrentam situações ainda mais graves sofrendo traumas psicológicos, ferimentos e nos casos extremos, até mesmo a morte.

O mais comum é vermos jovens cobertos de tinta pedindo dinheiro nos cruzamentos para a compra de bebidas alcoólicas. As pessoas, com algumas poucas exceções, observam esse espetáculo, mais parecido com um circo de horrores, com complacência e mesmo simpatia. Claro, diriam muitos deles, são jovens comemorando um momento especial de suas vidas. Será mesmo?

Então, vejam abaixo algumas das manchetes de imprensa selecionadas aleatoriamente nas duas últimas semanas:

- Trotes com álcool levam calouros a posto médico;

- Faculdade é criticada por trote violento;

- Trote teve direito a desfile de “bixetes” sobre passarela de calouros;

- Universidade investiga trote com fezes de animal e urina;

- Três calouros são internados em coma alcoólico após trote.

(Tomei o cuidado de não citar os estabelecimentos e as cidades, pois fiz apenas um apanhado sem qualquer pretensão estatística, só ilustrativa).

Bem, diante desses fatos fartamente divulgados pelos veículos de comunicação, proponho uma reflexão:

O que esperar do futuro desses jovens? Qual a responsabilidade desses estabelecimentos ditos de ensino superior?

Os administradores dessas faculdades e universidades costumam fazer vistas grossas aos trotes. A alegação mais comum é de que não é possível controlar a ação dos estudantes que ocorrem em pontos diversos, muitas vezes fora do estabelecimento de ensino.

Lavar as mãos não parece ser a atitude correta de dirigentes universitários responsáveis pela formação das futuras lideranças do país. É preciso romper esse círculo vicioso e gratuito, e criar junto com seus estudantes, familiares e funcionários, alternativas mais amigáveis e construtivas.

Esses mesmos gestores, que nada fazem diante de casos de trotes violentos, deveriam refletir se estão realmente contribuindo para a formação de homens e mulheres aptos a construir um mundo melhor para se viver. Algo tão marcante para um jovem, que é o ingresso numa faculdade, não deveria ocorrer de uma maneira mais positiva e gratificante a ser lembrado pelo resto de suas vidas?

Ao permitir atos de barbárie logo na porta de entrada, dirigentes omissos, nada estarão contribuindo para a disseminação de valores como ética, respeito, solidariedade e compromisso com o futuro. Pelo contrário, estarão prestando seu apoio, mesmo que involuntário, a um mundo em que prevalece a prepotência, a selvageria e a truculência. Esse calouro maltratado, fatalmente tenderá, a reproduzir os mesmos atos nos anos seguintes.

A faculdade tem a obrigação de criar um ambiente propício ao desenvolvimento de seus estudantes. É um tempo e espaço preciosos na vida dos jovens que deve ser bem aproveitado para a troca de experiências e enriquecimento pessoal.

Enxergar a importância da universidade

Mas se as faculdades possuem responsabilidades inerentes à formação e educação de seus alunos, estes por sua vez também devem assumir um compromisso junto à sociedade que representam.

Segundo dados do MEC, o Brasil possui 5 milhões de estudantes universitários, sendo que a esmagadora maioria, ou 90% cursam faculdades particulares. No universo populacional de quase 200 milhões de habitantes essa classe com representação menor que 3% pode ser considerada a elite da elite ou como diriam os franceses .

Um jovem que tem a oportunidade de cursar uma universidade precisa ter em mente a responsabilidade de integrar um seleto grupo de privilegiados. Uma elite que deveria pensar e trabalhar pela construção de um Brasil melhor para o seu povo.

O desafio vai além de enxergar a faculdade como um mero caminho para se alcançar o mercado de trabalho. É preciso ser um profissional preparado a desempenhar habilidades técnicas, mas também repleto de valores fundamentais para o exercício de uma vida saudável em sociedade. Princípios éticos, solidários, livres de preconceito e com um olhar apurado para o respeito aos direitos das pessoas. Enfim, jovens com sólida formação humana e intelectual capazes de reverter em benefício de toda a sociedade, a confiança neles depositada.

Trotes solidários para o início de um processo de mudança

Uma maneira de romper com esse ciclo de inércia é exatamente colocar nossos jovens na linha de frente do voluntariado. Nesse sentido, as universidades deveriam criar condições e incentivar estudantes, por meio de palestras, eventos e programas específicos que envolvam atividades de cunho social e ambiental. Conhecer e colaborar com as diversas realidades que compõem o nosso país. Valores como cidadania, solidariedade e tolerância poderiam ser cultivados, inclusive, logo na entrada desses estudantes na universidade. Essas ações poderiam muito bem substituir os trotes medíocres e sem sentido.

É preciso mudar essa rota e desde já trilhar o caminho da construção de uma nova visão. Uma visão de sustentabilidade onde todos atuam e todos ganham, sejam eles estudantes, trabalhadores ou empresários. A Sociedade brasileira, com certeza, irá agradecer e recompensar essa nova elite mais comprometida com o futuro do país.

*Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu. É colunista de Carta Capital e colaborador da Envolverde.

**Artigo publicado originalmente na coluna Cidadania & Sustentabilidade: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-porta-dos-fundos-do-ensino-superior

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(Envolverde/Carta Capital)

Um comentário:

Luiz Antônio Gaulia. disse...

Tudo indica que vivemos um tempo de "descuido" e "desatenção" para com o outro. Nesse sentido, desumanizamos o outro pois estamos nós desumanizados, como robôs sem consciência. Parabéns pelo artigo.
Abçs.
Gaulia