04 abril 2016

Sacola plástica: as pessoas só valorizam o que custa dinheiro



Confira mais um artigo sobre a lei de sacolas plásticas de São Paulo


Sacola plástica no Japão (Foto: Wikimedia/ SA 2.0)
O aniversário de um ano da polêmica lei de cobrança das sacolinhas plásticas de supermercado em São Paulo gerou um bom debate no Blog do Planeta. Reinaldo Canto, jornalista especializado em sustentabilidade, escreveu um artigo onde diz que a teve o efeito positivo de reduzir em 70% o consumo das sacolas, sem reduzir o conforto dos consumidores. Em resposta a ele, Miguel Bahiense, presidente da Plastivida, associação de fabricantes de plásticos e embalagens, escreveu outro artigo. Bahiense argumenta que a lei não serviu para educar o consumidor. E só é benéfica para os supermercados, que economizam dinheiro. Em entrevista a ÉPOCA em 2011, Bahiense já havia desenvolvido os argumentos para dizer que os plásticos podem ser bons para o meio ambiente. Agora, Reinaldo Canto escreve mais um artigo, abaixo, sobre o tema.
SACOLAS PLÁSTICAS E A PERCEPÇÃO DE VALORES
Caro Miguel, antes de mais nada, quero parabeniza-lo ao questionar meu artigo no mais alto nível e mantê-lo no campo das ideias. Nestes tempos bicudos em que o ódio tem prevalecido sobre o debate cordial é de servir de exemplo que as pessoas se coloquem em campos opostos em determinados momentos como adversários e não inimigos.
Feita esta primeira observação passo a refletir sobre as suas considerações. De certa maneira também concordo com você que essa questão é muito mais profunda e interesses econômicos, bem como, conscientização e educação ambiental não se resolvem ou avançam com a simples cobrança das sacolinhas.
Tenho usado com frequência o argumento de que a falta da percepção de valor das coisas, sejam eles insumos naturais ou não, só servem para que os impactos ambientais se tornem ainda mais dramáticos. Veja o exemplo da água! Tão essencial, mas foi preciso uma crise hídrica de grandes proporções para despertar as pessoas para a sua importância. Em minha opinião, ela deveria custar muito mais caro já que mesmo com a escassez,  desperdícios e o mau uso ainda são frequentes.
No caso das sacolas plásticas algo semelhante acontecia ou mesmo com a cobrança ainda acontece, ou seja, muita gente simplesmente não lhes dá qualquer valor. Antes da lei era comum ver aquela profusão de sacolas sendo consumidas sem controle e bom senso. Aí reside a questão central do meu ponto de vista: a noção de valor. Se posso pegar quanto quiser, na cabeça de muitos, as sacolas representavam um acessório absolutamente sem valor, gratuito e, portanto, passível também de ser descartado a qualquer momento e em qualquer lugar.
Em defesa da cobrança digo sempre em sala de aula que ninguém joga ou deixa cair moedas no chão, pois mesmo diante de seu baixo valor de face, essas moedas tem valor. Creio que o mesmo deve valer para as sacolinhas plásticas.
Você e os leitores viram em meu artigo alguns dados sobre o problema do descarte do plástico e suas consequências terríveis para o meio ambiente e para o futuro de todos nós. Claro que ao cobrar não se está fazendo educação ambiental, mas simplesmente contribuindo para reduzir o impacto ambiental do descalabro que era o uso indiscriminado das sacolinhas.
Não sou contra as sacolas plásticas, muito pelo contrário, eu as acho ótimas e as uso quando preciso. Longe de mim apoiar o seu banimento, ela é, sem dúvida, muito útil, prática e eficiente.
Questiono à afirmação de que a população “menos favorecida economicamente”, não poderia mais acondicionar seus rejeitos em sacolas plásticas em virtude de cobranças que estão em torno de R$ 0,08 e R$ 0,10. 
Argumentação ainda mais frágil faz referência a um aumento no descarte irregular de resíduos. A Prefeitura registrou um aumento de 12% na coleta seletiva logo no primeiro mês de vigência na nova lei graças, exatamente, ao uso correto das sacolinhas. Também recentemente foi anunciada a extensão da coleta seletiva até dezembro deste ano para toda a cidade de São Paulo.
Quanto à relação entre sacolas plásticas e as doenças zika, chikungunya, etc, por não existir qualquer estudo conhecido a esse respeito (com a palavra Miguel Bahiense)  prefiro não me manifestar.  
Concordo que os supermercados e os demais comércios atingidos ou mesmo beneficiados pela lei poderiam pensar em ações inteligentes que beneficiassem os consumidores que não fizerem uso das sacolas. Talvez fosse uma forma de reduzir outra percepção de muitos de que o comércio está auferindo lucros indevidos.
Prefiro restringir minha análise aos aspectos ligados aos impactos ambientais e não entrar na seara sobre quem perde ou ganha com a lei ou a ausência dela. Nessa contenda com supermercados de um lado e fabricantes de embalagens plásticas de outro prefiro chamar os jornalistas da área econômica. 
O certo é que a sociedade não perdeu, muito pelo contrário, nada de mau aconteceu em virtude da redução desse consumo.
Concordo que a batalha é muito maior. Realmente infinitamente maior! Mas ela precisa começar a ser travada em algum campo. Impossível imaginar que tudo será resolvido como em um passe de mágica. O certo é que ao levar as sacolas retornáveis ao supermercado ao invés de comprar uma sacolinha de que não necessita, o consumidor, por bem ou por mal, estará refletindo sobre uma ação de consumo. É pouco, sim!! Mas é melhor que nada!
Numa sociedade ideal, as sacolinhas seriam gratuitas, mas as pessoas só usariam se realmente precisassem delas e não as descartariam nas vias públicas e córregos; as pessoas não dirigiriam embriagadas e também não seria necessário autuar cidadãos e empresas pelo desperdício de água. Infelizmente não vivemos nesse mundo!
Assim como em outras inúmeras conquistas da modernidade devemos buscar o equilíbrio e ter uma visão que contemple o longo prazo, a sustentabilidade do nosso consumo e, portanto, também do que esperamos para o nosso futuro. O bem comum deve prevalecer sobre um pretenso direito do consumidor.
*Reinaldo Canto é jornalista ambiental e assessor de comunicação da Iniciativa Verde
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